M A L D I T O ! ! !
domingo, janeiro 16, 2005
 
Correr. Era a única ordem que seu confuso cérebro mandava para o resto do corpo. Virou ofegante para um corredor transversal da ala sul do colégio. Pensou em voltar pro banheiro, esperar lá até o intervalo para o almoço, mas a imagem de um inseto sendo esmagado lhe afastou essa idéia. Olhou para trás para ver se alguém o seguia e acabou por bater em algo realmente duro. Sentado no chão, viu um par de sapatos caprichosamente engraxados. A luz do teto que se refletia neles o deixou mais atordoado ainda. Mas não precisava raciocinar para saber que o fiscal de turmas os calçava.

Instintivamente se arrastou para trás mas apenas um passo foi o suficiente para ele ser alcançado e imediatamente erguido pelo braço. Pensou em um milhão de desculpas para a camisa suja e para o fato de estar perambulando pelo colégio no horário das aulas mas sabia que todas eram inúteis e disso também sabia Sergi, seu captor. Por isso ambos seguiram calados até a sala do diretor.

Sentado num banco de madeira ele permaneceu por vários minutos, sendo observado pela secretária do diretor. Rumores afirmavam que ela tinha um caso com o manda-chuva do colégio. Contudo, quanto mais ele olhava para aqueles olhos azuis, aquela cabeleira negra e brilhante, as bochechas rosadas, o sorriso perfeito, menos ele acreditava na estória. Mas deixa pra lá, ele tinha mais com o que se preocupar.

Podia escapulir pela porta ao seu lado quando ela se descuidasse, mas não adiantaria muito. Sua mãe seria chamada para falar com o diretor. Pensando bem, ela seria chamada de qualquer jeito, não adiantava se enganar. Não tinha como escapar daquela. E o pior é que ele perdera a aula que mais gostava.

Apesar da rigidez do professor, ele era um verdadeiro mestre, um dos poucos que se preocupava se os alunos realmente estavam aprendendo. Certa vez ficara com ele um sábado inteiro, em aulas de reforço, estudando para a prova final, que ele só iria fazer porque o próprio professor o deixara de recuperação. Ele era realmente sensacional. Ao invés de impor aos alunos que decorassem aquelas centenas de fórmulas, ele lhes mostrava a origem de cada uma delas e de como, racionalmente, obtê-las. Por tudo isso achou realmente estranho o estado colérico de poucos instantes atrás. Deve ter acontecido algo de muito grava para ele ficar daquele jeito. É certo que ele sempre foi rígido, mas nunca grosseiro. Se bem que a turma geralmente o tirava do sério, com os cochichos e conversas paralelas.

Os próximos dois tempos seriam reservados às aulas de educação física. Em virtude da neve todas as atividades seriam concentradas no ginásio e, como hoje era o primeiro ensaio do baile, as meninas ficariam com todo o segundo tempo para elas, e os meninos com o primeiro, quando provavelmente haveria alguma disputa esportiva truculenta, como basquete. Bem que ele poderia ter perdido um desses tempos ao invés dos dois primeiros do dia.

Se bem que ele nem sabia se realmente continuaria o dia no colégio. Esperava ansioso ser chamado para conversar com o diretor. Ele só o vira antes à distância, em algum evento do colégio. Ele adorava um discurso, e todo início de ano fazia um de boas vindas. Era uma experiência nova, portanto, estar cara-a-cara com o carequinha, como era chamado carinhosamente pelos alunos, alcunha que ganhara de seu "colega" Boris.

Ouviu seu nome ser pronunciado pela boca da Angela, a secretária. Pediu para acompanhá-la. Ela bateu duas vezes na porta de madeira maciça e a abriu. Sentado atrás de uma pesada mesa de madeira ricamente trabalhada, estava o carequinha, ou melhor, o diretor, o todo poderoso Michel Lobotan.

Sentou-se na cadeira de couro, macia, bem macia, tão diferente do banco la fora. Angela pediu licença e os deixou, fechando a porta atrás de si. Um arrepio lhe cobriu a nuca quando ouviu o barulho da trava da porta. Pronto. Não podia fazer muita coisa agora. Tentou pensar em algo bom. Logo a imagem do início daquela manhã, sua mãe no sofá abraçada com uma garrafa, lhe tomou o pensamento. Ela, tão cheia de problemas e agora mais um. E era culpa dele. Só dele. Se ele tivesse chegado a tempo de pegar o ônibus escolar, nada disso teria acontecido. Teria assistido às aulas, teria aprendido pouco mais da ciência matemática e teria revisto a sua amada. Agora corria o risco de, a um só tempo, dar mais trabalho para a mãe e de não ver sua bela de vestido de baile.


 
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