Anylokatos era um garoto como um garoto qualquer daquele lugar que era igual a qualquer outro. Resmungava todos o dias ao se levantar da cama, reclamando do frio, da escola, do par de meias furadas, da calça puída, do disco do Black Sabbath que não tinha mais onde ouvir pois sua mãe trocara a vitrola por Rum. No espelho se via como um garoto diferente de todos os garotos, desprezado pelas garotas, o cabelo arrepiado, as pernas finas, as luvas pretas, o coturno de couro.
Na cozinha vazia cortou um pedaço de pão duro. Sua mãe adormecida na sala, com a TV ligada, não o viu sair, enfrentando a neve, de cinco centimetros, que caíra durante toda a noite. Viu se aproximar o borrão amarelo do ônibus escolar mas, ao tentar correr para alcançá-lo, escorregou na calçada gelada e encontrou pela frente a cerca do vizinho.
O vento gelado cortava seus lábios enquanto seguia caminhando para a escola. A aula de química ficaria para a outra semana.
Aquela manhã gelada afastara todos os garotos que costumavam fugir das primeiras aulas da frente do prédio.
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"E não te esqueças, meu coração,
que as coisas humanas apenas
mudanças incertas são."
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Arquíloco